domingo, 29 de agosto de 2010

Pato Donald de Borracha



       

   Faz algum tempo, na verdade já não lembro mais quanto tempo, sei sim, que o pato donald de borracha ainda me acompanha, vez em quando, em meus sonhos...     Éramos sete, na verdade ainda somos sete irmãos, sendo Eu o caçula, três irmãs e três irmãos, proteção total apesar das carências financeiras... Muitas vezes após servir a vianda de meu pai, minha mãe se dava conta de que não tínhamos nada para comer no dia seguinte, e então meu pai falava para ela dividir a comida de sua vianda entre nós. Homem honrado meu pai, Trabalhador, nos deu estudo, nos fez dignos de sermos seus filhos, o pato donald era seu fã.    Livramento (não sei porque este nome sempre me fez sentir como um pássaro solto, pairando entre as nuvens, esperando para pousar em um castelo com torres feitas de diamantes) este era o nome da rua em que morávamos, localizada no bairro Santana, uma rua arborizada, simples, mas uma bela rua para começar uma vida, nesta mesma rua se encontrava a minha primeira escola, a hoje já extinta escola Barão de Santo Ângelo, o pato donald de borracha adorava aquela escola, até hoje sei inteiro seu hino, havia uma parte que dizia assim: "...Teu ideal, nosso futuro. Tua luta nossa vitória. Fazei de mim, escola amiga, nossa glória..." Nos separamos na 5º série, ela era de primeiro grau incompleto, meu 'be a bá'.   Perto de minha rua havia um dilúvio, arroio dilúvio, pra nós era riacho mesmo, riacho ipiranga, nunca entendi o por que de dilúvio; Também, desembocava num rio que todos diziam que não era um rio... Atravessávamos incontáveis vezes por dia este riacho, era na outra margem o supermercado, o supermercado Zaffari, o mesmo supermercado em que todos os meus irmãos trabalharam, começaram a ajudar meu pai, nasceram profissionalmente, de alguma forma somos gratos a este supermercado que existe até hoje, o pato donald de borracha não o conheceu por dentro, não podia entrar, mas Eu o contava tudo em detalhes, afinal era meu confidente, e ele gostava até mesmo de seu símbolo, um esquilinho.  Nossa casa ficava quase esquina com a Vicente da Fontoura, era uma das seis casas gêmeas coladas uma a outra, casas antigas, velhas mesmo. Eram de material, com piso de madeira, madeiras tão velhas quanto a casa, que às vezes afundavam, teimando em esconder nossas pernas no porão, nunca sem antes causar no mínimo esfolações. Meu lugar preferido era a janela da sala, dava de frente para o lado da padaria, sobre o lado da padaria ficava a janela da sala do apartamento do dono da padaria, o lugar preferido de sua filha, o pato donald de borracha sabia, só ele sabia da forma que Eu suspirava a cada vez que ela aparecia, era uma menina simples, gostava dela, 'só amiga'... Nunca nos descriminaram, gostava muito deles. Éramos uma grande família no bairro, íamos nos jogos de futebol do time da zona, onde jogavam meus irmãos e seus amigos, aprendemos a ganhar e também a perder...Ríamos a cada vez que aparecia o homem de vermelho na rua, ficávamos curiosos pra saber em qual casa iria bater e executar seu papel, era uma visita humilhante a do homem de vermelho, todos sabiam que era o cobrador, às vezes ía lá em casa. Sobrevivemos a uma ditadura, brincamos de esconde-esconde, futebol de botão, jogo de bolita de gude, taco, sempre o Donald me acompanhava, meus amigos se acostumaram com ele. Coisas simples, fatos inesquecíveis.  O pato donald de borracha era meu único brinquedo de verdade, de alguma forma para mim, era como se realmente ele tivesse vida. Meus medos, meus sonhos, minhas frustrações, não sei explicar o por que, era com ele que Eu dividia, me sentia mais seguro com ele a meu lado.  Loucura?! Talvez, dizem que os loucos é que inventaram o amor...  O tempo foi passando, vieram os primeiros beijos, as primeiras namoradas, os primeiros raios da adolescência, os hormônios, não sei... Não sei como, nem quando aconteceu esse descuido, mas em alguma curva de minha vida meu pato donald se perdeu. Hoje após todos esses anos, volto a sonhar com ele, a desejar que ele estivesse aqui a meu lado, que conhecesse, e quem sabe, fosse esse amigo de meus filhos, ou simplesmente, parado sobre o computador, vivesse essa união que continua até hoje em nossa família, que visse que meu pai hoje com oitenta anos, é um grande vencedor... Que já não imagino mais torres de diamantes, que aprendi a valorizar cada momento vivido, que hoje sei que um amigo, mesmo sendo ele um pato donald de borracha, pode ser o reflexo da nossa personalidade, que devemos cuidar dele, mesmo, e principalmente, quando o vento soprar a nosso favor. 
                                                                                                      
                                                                                                                                                          ( Rudi Caldeira)  

Um comentário:

  1. Pois é,... escrever, expressar, expor a alma é um ato de coragem. Faço isso desde criança... Criança que tb tinha seu pato Donald de borracha, dado por meu pai. Último presente que dele ganhei até que ele sumiu no mundo. Depois descobri que o "mundo" era Brasília sendo construída e para lá se mandou. Tinha certeza que iria voltar rico um dia. Nem rico, nem um dia. Restou o Pato Donald que minha avó achou que minha irmã menor merecia herda-lo. Sumiu no mundo, o pai, o Pato e eu? Surgi no mundo com lembranças e estórias. Hj tive saudade do Pato... ou seria do pai? A essa altura, seu texto e seu pato me trouxeram a resposta. Somos nossas lembranças e os significados que damos a elas. Escolho o amigo Donald, presente do pai. Ambos presentes- aqui e agora... na lembrança, no Universo... A ti agradeço pelo seu pato.

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